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REFORMA DA PREVIDÊNCIA PARA OS BANCOS OU PARA O POVO?


Poderia essa sintética reflexão também ter o seguinte título: “Reformar a Previdência Social para quem?”.

Sem sombra de dúvidas é o debate do momento, vale dizer, reformar ou não o vigente sistema previdenciário, um questionamento que impacta sobremaneira o dia-a-dia de diversos cidadãos, a geração atual de trabalhadores, também a vigente dos beneficiários (aposentados e pensionistas) do sistema e ainda a vindoura, ou seja, o futuro público-alvo.


É que esta intricada, complexa e bem polêmica pauta governamental tem ocupado todos os olhares da sociedade, com uma polarização das discussões, incertezas, imprecisões técnicas, além da falta de clareza de nevrálgicos pontos registrados no âmbito da Proposta de Emenda Constitucional número 6, de janeiro de 2019, apresentada, inclusive, de forma apressada e a revelia de um esperado e qualitativo debate técnico com a participação da sociedade civil, das instituições representativas da classe trabalhadora, como também dos aposentados, pensionistas, empresários e, sobretudo, da comunidade jurídica especializada.

Infelizmente, em tempos vigentes, escolhida que foi a Previdência como a razão de todos os males, ou, o único caminho de prosperidade e austeridade econômica a fim de que a Administração Pública como um todo consiga efetivamente dar concretude a suas promessas, atribuições e deveres.


De fato, uma reforma do sistema previdenciário é mais do que bem vista, desejada e aguardada por todos, enquanto detentores e destinatários da sua essência, afinal, a Previdência faz parte também do núcleo de direitos fundamentais, sociais e constitucionais, ao qual direciona a vida e estrutura de um sistema jurídico-político alicerçado em premissas de bem-estar, como o vigente.


E aqui o necessário debate a ser construído, sem conjecturas políticas vazias, dogmáticas e distantes dos dizeres constitucionais, encontrando na perspectiva econômica a válvula motriz para o debate, de forma midiática e incisiva, infelizmente, sem abertura para outras premissas.

Wagner Balera acentua que:


O bem-estar resultou fixado pela sociedade como a marca registrada do Estado contemporâneo, cuja acertada denominação não poderia ser outra senão Estado do bem-estar (Welfare State). No direito brasileiro, o bem-estar e a justiça estão situados como valores supremos da nossa sociedade.


Nesta direção, Jorge Luiz Souto Maior acentua com referência ao destaque do bem-estar em modelos democráticos e capitalistas:

É inegável que a Constituição brasileira preservou as bases do modelo capitalista, no entanto, não o fez a partir de uma ordem jurídica liberal. O sistema jurídico constitucional fixou como parâmetro a efetivação de valores que considera essenciais para a formação de um desenvolvimento sustentável, vale dizer, um capitalismo socialmente responsável a partir dos postulados do Direito Social.


O ponto de partida, em absoluto, deveria ser esse, da matriz constitucional, sua essência, sua força normativa e a clareza de seus dizeres, sem relativização de seus enunciados, afinal, carrega em si os ideários maiores de um povo, cuja dimensão não encontra fragilização, mesmo quanto as premissas econômicas, aliás, secundárias dentro da perspectiva do Texto Maior.

Em sentido oposto, um esvaziamento dos sentidos constitucionais se revela dentro do debate reformador.


É que ávidos por uma celeridade midiática e sob a égide do discurso econômico apenas, a pequenez da condução se torna evidente. Este, o caminho inverso do discurso constitucional, para o qual o sistema previdenciário é corolário fundamental da vontade social do bem-estar, razão de que seu aperfeiçoamento e suas mudanças devem refletir o desejo da inclusão e do acesso de suas bases, mas não o contrário.


Indiscutivelmente, o sistema previdenciário merece e requer ajustes, alterações, reformulações, aperfeiçoamento e evolução, sem desnaturar a essência maior que o reveste e justifica a necessidade de um debate exaustivo, ainda que prolongado, mas necessário para a construção e viabilização de um sentimento maior que está bem acima de quaisquer ingerências políticas, dogmáticas e meramente econômicas.


 Neste aspecto, a razão da indagação que ora se apresenta, sobre a real destinação do desejo reformador, se ao interesse econômico somente, ou, ao encontro dos anseios legítimos dos trabalhadores, afinal, detentores e destinatários de todo poder estatal e o sistema previdenciário, expressão destacada do postulado da dignidade da pessoa humana.

Sobre esse contexto, acentua José Afonso da Silva que:


Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma ideia qualquer apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando- a quando se trate de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.[4]

Assim, de forma corriqueira o que se vê inserido no rápido debate a respeito é tão somente o desiderato econômico, financeiro e atuarial, como se fossem as únicas e principais premissas de vida e manutenção do sistema, ao contrário, a essência da proteção é que deve ditar as regras secundárias para o seu sustento, como uma relação de causa e efeito, ou, principal e acessório, mas com a existência do principal, vale dizer, a técnica de proteção previdenciária.

Evidente assim, que os interesses dos trabalhadores e dos mais necessitados estão bem distantes da legitimidade de proposição e de finalidade deste intento reformador, sendo altamente impactados pela aprovação futura do modelo apresentado, cujos acesso a prestações básicas e mínimas será visivelmente dificultado, neutralizando o intento maior protetivo, acolhedor e que retrate um bem-estar com inclusão e integração.


Afinal, esses os dizeres constitucionais, autênticos princípios diretivos.


Lenio Streck, a esse respeito registra que:

Um princípio não é um princípio em face de seu enunciado ou em decorrência de uma relação de uma relação lógico-explicativa, mas sim, em face daquilo que ele enuncia.[5]{C}

Assim, o esperado debate reformador há de pontuar neste âmbito, aprimorar e ajustar pontos a serem ajustados e aprimorados, sem o distanciamento de conferir dignidade aos excluídos e mais necessitados.


Espera-se este debate, coletivo, transparente, técnico e democraticamente construído, sob a inspiração constitucional, núcleo maior que justifica e dá vida a modelos previdenciários criados no constitucionalismo do bem-estar, ainda que moderno ou de modernidade tardia como o brasileiro.


Também, que mesmo o incisivo, efusivo e midiático discurso econômico, por si só sequer representa fundamento exclusivo e convincente para o desejo da reforma, não podendo ocorrer por este único e exclusivo fundamento, sem a perspectiva dos valores constitucionais e seu poder diretivo.


De outro enfoque, mesmo a perspectiva econômica, nuclear e fundamental para alguns, sequer merece pronta aceitação, como se máxima e incontroversa verdade fosse.

Por exemplo, a ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil habitualmente demonstra que existe um superávit previdenciário ao contrário de outras vozes, comprovando que a mudança por este argumento não se justifica:


Por que desvincular 20% ou 30% dos recursos da seguridade social? Porque historicamente o Orçamento da Seguridade Social sempre foi superavitário. Para se ter uma ideia, entre 2005 e 2016,o superávit médio anual foi de R$ 50,1 bilhões. Coincidência, ou não, nesse mesmo período, entre 2005 e 2016, o valor médio de recursos desviados da Seguridade Social pela DRU foi de R$ 52,4 bilhões,ou seja, da mesma ordem de grandeza da média dos superávits da Seguridade no mesmo período. Se esse superávit não fosse subtraído pela DRU, a exposição pública dessa sobra de recursos incentivaria os projetos de reajuste de aposentadorias, de aumento da aplicação de recursos na Saúde ou na Assistência Social, promovendo, assim, uma melhor distribuição de renda na sociedade. Os superávits, ainda, poderiam ter sido utilizados para constituir uma grande reserva com o objetivo de dar solidez à Seguridade Social, participando do financiamento em momentos de crise e de diminuição da arrecadação. Assim, além de contribuir para a criação do artificial discurso de déficit da Seguridade, a DRU promove a subtração de recursos disponíveis para a disputa alocativa no processo de elaboração do orçamento da seguridade e evita a constituição de um fundo de reserva que contribuiria para compensar perdas de arrecadação em momentos de crise. A utilização desse expediente para construir uma conta de déficit da Seguridade Social demonstra que o interesse real na desvinculação nunca foi resolver problemas de gestão financeira de recursos, mas potencializar os discursos em prol das reformas para a supressão de direitos financiados pela Seguridade Social.


Neste mesmo contexto, outras diversas vozes existem e apregoam que do ponto de vista econômico, o sistema é hígido, sustentável, há receitas suficientes e suas oscilações econômicas são por outros motivos, premissas essas distantes do trato popular e do conhecimento da grande maioria da população.

Ademais, pensou o legislador maior em um sistema de integração, inserção e distribuição, com a participação de todos os atores sociais, conferindo dignidade aos mais necessitados, excluídos e de baixo acesso, buscando concretizar aos trabalhadores e seus dependentes, a fruição de um pacto de benefícios para os quais também contribuíram.


Longe aqui de exaurir a temática, aliás, algo que diversos agentes públicos e inseridos nos mandatos eletivos anteriores conseguiram e enfrentaram como se deseja, contudo, apenas refletir sinteticamente sobre os personagens envolvidos e as razões existentes do atual debate, infelizmente, distante do esperado, não pelos Bancos, mas pelo povo, que deveria ditar o trajeto da reforma.


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